A entrevista com o engenheiro e professor Tarcísio Barreto Celestino encerra a série de reportagens especiais elaboradas pela equipe de comunicação do CBT. O tema da série é “Túneis e Estruturas Subterrâneas – o pensamento e a pesquisa das universidades brasileiras”. Celestino é presidente da principal entidade internacional desse segmento, a International Tunnelling and Underground Space Association (ITA). É também professor do Departamento de Geotecnia da Escola de Engenharia de São Carlos (USP-São Carlos) e gerente de engenharia civil da Themag Engenharia. Foi ainda presidente do CBT. Para Tarcísio, é fundamental disseminar a cultura das obras subterrâneas no meio acadêmico do mundo inteiro. “Muitos engenheiros civis formam-se sem nunca ter visto nada a respeito de túneis durante o curso de graduação”, lamenta. “Isso é algo muito comum e é extremamente preocupante”.
O presidente da ITA abordou outros aspectos importantes nesta entrevista. Falou que a boa engenharia brasileira esbarra num sistema de contratação de obras que não preza pela qualidade do projeto. Abordou também alguns dos principais desenvolvimentos em andamento na USP de São Carlos. Confira a reportagem completa.
Na grande maioria das universidades brasileiras, o curso de Engenharia Civil não conta com uma disciplina destinada às obras subterrâneas. “Muitos engenheiros civis se formam sem nunca ter visto nada a respeito de túneis”, ressalta Tarcísio Celestino. Ele lembra ainda que esta situação não é exclusiva do Brasil. “Isto ocorre em diversos países e preocupa sobremaneira a ITA”.
A falta de capacitação e treinamento adequado resulta na formação de profissionais sem nenhuma experiência em túneis que acabam responsáveis por gerenciar contratos de obras subterrâneas.
Para lidar com a questão, a ITA está abordando as entidades financiadoras de infraestrutura, bancos de desenvolvimento etc, e mostrando os riscos que ocorrem quando um empreendimento que envolve obras subterrâneas é conduzido por alguém que não entende de túnel – por falta de formação adequada.
“Queremos oferecer uma espécie de treinamento para que essas agências possam contratar e financiar empreendimentos com maior segurança”, explica o presidente da ITA. “Isto está no Plano Estratégico da entidade e deve começar a ser colocado em prática em breve”.
Outra iniciativa prevista pela ITA para enfrentar o problema é a realização de uma enquete, em âmbito mundial, sobre o ensino de engenharia em cada país – incluindo o questionamento sobre a existência ou não de algum item específico de formação em obras subterrâneas nas grades curriculares.
“Aos países que não oferecerem esses cursos nas suas faculdades de engenharia pretendemos oferecer, em nome da ITA, um programa chamado Educar os Educadores. Nossa intenção é fornecer material mínimo aos educadores de modo a que, pouco a pouco, os temas ligados à formação em obras subterrâneas sejam oferecidos, fazendo com que essa deficiência seja suprida ao longo do tempo”.
“O Brasil tem, sem dúvida, excelentes profissionais. Alguns exemplos são os colegas já entrevistados para esta série de reportagens, que são referências em suas áreas de atuação”, afirma Celestino. “Esta excelência, no entanto, nem sempre se reflete na vida real. E isto diz respeito à engenharia como um todo e não apenas às obras subterrâneas”.
Exemplo da qualidade da engenharia brasileira é a hidrelétrica de Itaipu, reconhecida internacionalmente como uma das grandes obras do planeta. “Ao mesmo tempo, as práticas contratuais e, muitas vezes, as exigências legais inadequadas resultam em algumas coisas que envergonham a nossa engenharia, como foi o caso da ciclovia que ruiu no Rio de Janeiro”.
Para o presidente da ITA, a Lei 8666, que estabeleceu a possibilidade de contratação de serviços de engenharia e até de projeto, por critério de menor custo, sem qualquer qualificação técnica, “deixou prejuízos terríveis para a engenharia e para os cofres públicos, com obras muito caras e de má qualidade em decorrência dos maus projetos”. A mentalidade que foi sendo inserida nos gestores públicos e privados resultou em um país com obras de baixíssima qualidade. “No fundo, isto não é culpa da engenharia, mas do sistema, do cipoal jurídico que se estabeleceu em torno de como se contrata uma obra, que é absolutamente absurdo”.
Dentre os temas que estão sendo abordados nas pesquisas em desenvolvimento na USP-São Carlos, onde é professor, Tarcísio destaca uma tese de doutorado recente que estudou em laboratório os fenômenos ligados ao monitoramento sísmico em escavações profundas. Os resultados dessa tese abriram muitas possibilidades que estão agora sendo aplicadas em campo.
A tese comprovou que, ao contrário do que se admite com frequência, a velocidade de propagação das ondas liberadas diante do rompimento do material não é constante. Por meio de ensaios em laboratório, a tese mostrou e quantificou que a velocidade de propagação muda porque o material se danifica progressivamente.
“A mesma coisa acontece no campo. Quando uma obra subterrânea é escavada e concentra tensões que levam ao rompimento local do material, liberando energia, essas ondas também se propagam com velocidades que mudam ao longo do processo porque o material está sendo danificado”, explica o professor. Portanto, de acordo com esta tese, a velocidade de propagação entra no sistema de equações como uma incógnita a ser determinada, e não como um dado de entrada constante.
“Não se trata de uma questão apenas de rigor matemático, mas de segurança da escavação, uma vez que envolve a localização e a intensidade dos fenômenos sísmicos. Um exemplo é a ocorrência de rock burst – explosão de rochas. Esses fenômenos, na realidade, são detectados em pequena escala antes que um evento de maior magnitude ocorra, o que pode comprometer a segurança da escavação. E com a hipótese antiga de velocidade constante e ainda com valores muitas vezes irrealistas em função das condições do maciço, essa localização pode incorrer em erros substanciais”.
As pesquisas resultaram no desenvolvimento de um programa chamado “CLAPWaVe” (Crack Location by Acoustic emission with P Wave Velocity determination), que está em processo de registro. A próxima etapa do trabalho é a integração deste método com os métodos de tomografia já existentes.
“Não tenho dúvida de que isso deve agregar muito em precisão de localização no processo de monitoramento sísmico de escavações subterrâneas. Agrega precisão não só da localização mas do fenômeno como um todo, do ponto de vista de energia e da previsibilidade de segurança de ocorrência de fenômenos de rock burst”, afirma Celestino.
Outro assunto em destaque é a escavação de túneis em maciços massivos – com pouca fragmentação, poucas descontinuidades e de rochas relativamente brandas. “Esses maciços se comportam de modo diferente em relação a ocorrências de instabilidade por fenômenos como rock burst quando se compara ao que temos em relação a tensões atuantes, em função da profundidade, comparadas à resistência do material intacto”, explica.
“O comportamento tende a ser mais favorável do que aquele obtido de comparações semelhantes de rochas mais duras e maciços que têm a compartimentação mais bem estabelecidas”.
Existe ainda uma pesquisa relacionada a tratamentos de solo em TBMs do tipo EPB para prevenção do fenômeno de clogging – fenômeno em que os materiais argilosos grudam nas ferramentas de corte comprometendo sua função. “Os resultados têm sido bons e devemos seguir para um doutorado nesse assunto”.